domingo, 29 de agosto de 2010

Quem era Helene Langonelle?- texto de Marguerite Duras


*Imagem de autor desconhecido*



“ O corpo de Helene Langonelle é pesado, inocente ainda, a doçura de sua pele é como a de certos frutos , mal pode ser percebida, um pouco ilusória , é demasiada.Helene Langonelle dá vontade de matá-la, desperta o sonho maravilhoso de fazê-la morrer por nossas próprias mãos.Essas formas belíssimas ela ignora, mostra essas coisas para que as mãos a amassem , para que a boca as devore, sem perceber , sem tomar conhecimento , sem ter idéia de seu poder fabuloso.Eu gostaria de comer os seios de Helene Langonelle como são comidos os meus no quarto da cidade chinesa onde vou todas as noites aprofundar-me no conhecimento de Deus.Ser devorada por aqueles seios maravilhosos que são os dela.
Sinto-me extenuada de desejo por Helene Langonelle.
Sinto-me extenuada de desejo.
Quero levar comigo Helene Langonelle àquele homen que faz isso em mim, para que ele o fizesse nela.Tudo na minha frente , fazendo o que eu mandasse , que entregasse lá onde me entrego.Seria por meio do corpo de Helene Langonelle que o prazer chegaria até o meu , só assim definitivo.
O bastante para morrer...

sábado, 28 de agosto de 2010

MENSAGEIRO DO APOCALIPSE - retirado do blog e de autoria de Fabricio Carpinejar

Abro a janela para sentir onde estou; somente a lufada no rosto resolve. O vento é o único meteorologista em que confio.

Hotel provoca miragem: não acertamos se está frio ou quente lá fora.

O controle do ar repousa ao lado dos canais de televisão. No gabinete. É o efeito estufa em minha vida - viajando, permaneço sempre na mesma temperatura. Gostaria de arder de calor de madrugada ou me encolher de frio, somente para me enxergar em casa. Vida cômoda demais incomoda. A melhor gula é vencer a dormência e mexer na geladeira de noite. O melhor sono, portanto, depende de um esforço físico, em abandonar a zona de conforto, é aquele que caminhamos no escuro por um cobertor ou duelamos com o lençol, empurrando o tecido como um morto no despenhadeiro.

Só que em alguns hotéis a janela está fechada, como o do bairro Anhembi, em São Paulo. O quarto lacrado não me deixava trabalhar em paz. Liguei para a governança:

- Pode abrir as janelas, estou aflito?
- Sim, estou mandando um mensageiro.

Demorou uma hora, e nenhum sinal em minha porta. Insisti, com receio de uma conspiração.

- Eu pedi para abrir as janelas...
- Sim, desculpa, estou mandando um mensageiro.

O jovem chegou. Tinha uma barbicha para forçar a idade. Na minha adolescência, todo rapaz era um bode. Alguns continuam sendo.

Ele veio com um cardápio para assinar.
- Não pedi nada para comer ou beber.
- O senhor não solicitou a abertura das janelas?
- Sim.
- Deve assinar aqui.
- Por quê?
- Para abrir a janela.
- Como?
- O senhor precisa se responsabilizar por abrir a janela.
- Mas eu não me responsabilizei por abrir a porta, por abrir a geladeira, por abrir as gavetas. Que isso?
- É norma do hotel. Abriremos as janelas com seu termo de anuência.

Rabisquei na linha em branco para encerrar o assunto. Nunca tinha pensado em suicídio até aquele momento. Foi tanta solenidade que fiquei com vontade de me matar. O mensageiro criou a fantasia mórbida com o ofício. Deu a ideia. Fomentou a imaginação. Agora sim estava aflito com as cortinas farfalhando. As alturas me chamavam pelo apelido, com inegável intimidade.

Aguentei o pânico, suspeitei que, se me atirasse no pavilhão da Bienal do Livro colado ao hotel, o mundo inteiro diria que era mais um dos meus golpes de marketing.

Desci ao saguão disposto a respirar o térreo. Fugi imediatamente dali. Encontrei André, amigo de editora, lendo jornal. Puxei papo para me distrair. Evidente que descrevi os últimos acontecimentos.

Mas ele ficou pálido, mais nervoso do que eu, envergonhado. Resmungou:

- Quando entrei no meu apartamento, as janelas estavam abertas. Nem pediram minha autorização. Vou reclamar ao gerente, não é um convite ao suicídio, já é um assassinato.

Fabricio Carpinejar-cronica

domingo, 22 de agosto de 2010

Caramelo e Nicotina


Ele tinha cheiro de caramelo.Claro que não tinha.Ela imaginava...Tinha vontade de o sorver como caramelo, e por isso sentia o cheiro.Ela o queria.E ele tambem...
-Gosto de você.Gosto de seu charme.
Disse ele lhe segurando as mãos.
Ela enrusbesceu, como era comum erusbescer diante de um homem.Ela era uma menina.Ele exaltava seu bom gosto:
- Você é como poucas.Quero que venha comigo.Para minha casa.Vamos sonhar juntos.

Ela não titubeou.Ele era o que ela queria.Sua voz era prazerosa, seu toque sorrateiro era como mel.E ele cheirava a caramelo.Ela queria todo o seu caramelo.
De repente estava de lingerie negra em seu sofá com um charuto entre os dedos e um copo de vodka no chão.Lia em voz alta Tolstói: "A arte é um dos meios que une os homens."
Ele a calou.Fechou seu livro.Tocou seu corpo.Ele não a tinha tocado até então.Deixou que ela fosse ela...que ela se esgueirasse pela sua casa como um filhote de cobra.Quando se despiu, despiu apenas sem motivo.Não queria nada, apenas se livrar de uma casca metropolitana.E ele a observou.Observou a simpleza de seus gestos.Uma mulher que tira a roupa para ler Tolstói e ignora o mundo ao redor.Ela era linda e livre...mas triste.
Ele a tocou e o charuto caiu no chão.Ela enlaçou-lhe o pescoço procurando sua boca.Ele desviu para os seus seios.E o cheiro de caramelo ficou ainda mais forte e se misturava a nicotina presente no ar e tudo era levado pela torrente de seu desejo.
Os beijos no corpo provocam gritos suaves dela.E ele a beija ainda mais.
Foi consolada.Acabava de nascer quando ele arrancou suas roupas intimas.Ele ainda estava vestido.E a observava atônito, como quem observa um milagre.Ela se deixou...Não queria interromper o momento miraculoso daquele homem sóbrio...de sobretudo e cachecol.
Ela se desembrulhou e se entregou de presente.Mas ele a tomava como uma dose de uísque envelhecido:^Sentia todos os cheiros das sendas de seu corpo alvo e depois molhava seus labios com todos os liquidos de seu corpo...para depois bebê-la em completude.
- Eu te amo!, foi o que ela teve vontade de dizer naquele momento, mas nao disse, apenas sentiu seu deleite de moça.
Ele era um homem livre, e com toda aquela liberdade que enxergara nele descobriu que ela própria não era livre.Se sentia pequena agora dentro daqueles braços pesados de homem e não queria mais sair.
Ele a beijava carinhosamente e não dizia nada.Apenas beijava-a , e cheirava seus cabelos cor de cobre.Para ela o mundo poderia acabar ali, e ela continuaria enrolada nos seus braços com cheiro de caramelo e nicotina.
-Não vai falar nada?, arriscou ela para iniciar qualquer diálogo.
-O silencio te incomoda?
- Não às vezes.Mas é preciso saber quem é o dono do silencio para que eu me incomode ou não.
- Bem , eu sei que você é uma pessoa incrível, a quem tenho muita afeição.O teu silencio não me incomoda.
-É?
- Sim. O meu te incomoda?
- Não..quero dizer não sei.
- Está com medo minha pequena?
- Não, quero dizer não sei.
-Agora você quem ficou silenciosa.
- Acho que estou com medo..
- Posso saber de que?
- Da sua perfeição masculina.Você é perfeito pra mim.A sua conversa , o seu cheiro,as suas idéias, a sua música...o tamanho do seu sexo...
- Você é ótima, interrompeu ele com uma risada, entao o tamanho do meu pênis é perfeito pra você?
- Sim é.
- E como assim, qual é o tamanho dele ?
- Não sei dizer, só sei dizer que a minha vagina se sentiu protegida por ele.
- É a primeira vez que escuto falar em proteção de vagina através do pênis, disse ele com mais uma risada.
- Eu também , mas foi o que eu senti agora.
Ele se calou.E voltou a beijar seu corpo...E ela voltou a explodir toda por dentro...idilicamente.Ela queria fujir, agora mesmo, mas o prazer lhe agarrava fortemente.Entao cedeu ....E ficou ainda enrolada por mais tempo naqueles braços caramelados e nicotinados...

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O amante

Ela lhe diz: preferia que você não me amasse.Ou, mesmo me amando, que se comportasse como se comporta com as outras mulheres .Olha para ela espantado e pergunta: é o que você quer?Responde que sim.Ele começou a sofrer lá, naquele quarto , pela primeira vez, não nega isso. Diz que sabe que ela jamais o amará.Ela o deixa falar. A princípio diz que não sabe.Depois deixa que ele fale.
Ele diz que está sozinho, terrivelmente sozinho com esse amor.Ela responde que também está sozinha.Não diz com o quê.Ele diz: você veio até aqui comigo como teria vindo com qualquer outro.Ela responde que não pode saber, que nunca foi com ninguém para nenhum quarto.Diz que não quer que ele fale, quer que faça o que costuma fazer com as mulheres que leva ao seu apartamento de solteiro.Suplica-lhe que aja desta maneira.

Ele lhe arranca o vestido , joga-o longe, arranca a calcinha branca de algodão e a leva nua para a cama.Então vira-se para o outro lado e chora.E ela , lentamente, com paciência, ela o traz para perto e começa a despi-lo.Ela faz tudo com os olhos fechados...

A pele é uma doçura suntuosa.O corpo.O corpo é magro, sem força, sem músculos, podia ser um corpo de um doente , de um convalescente, ele é imberbe, sua única virilidade é o sexo, é muito fraco, parece estar a mercê de um insulto , parece sofrer.Ela não olha para o rosto.Não olha .Só o toca.Toca a doçura do sexo, da pele , acaricia a cor dourada, a novidade desconhecida.Ele geme,chora.Dominado por um amor abominável.
E chorando ele realiza o ato.A princípio, a dor.E depois a dor se transforma , é arrancada lentamente, transportada para o prazer, abraçada ao prazer
O mar sem forma , simplesmente incomparável

Marguerite Duras- Trecho de "O amante"

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Acordou...era 02 de agosto...

Acordou.Era 02/08.Lembrou como que automaticamente que fazia exatamente 1 ano em que Ana e Leonardo deram seu primeiro beijo.
Era festa.Aniversario de alguém.Eles conversaram longamente sobre muitas coisas.Beberam tudo o que era possível e alcólico.E no final da festa , ele lhe pediu um beijo.Assim desajeitadamente:
- Ana?
-Sim?
-Sabe o que eu queria fazer agora ?
-Não, o quê?
- Eu queria te dar um beijo...
-É?
-É...
- Então tá bom...
-Então tá bom ?
- Sim...
Se beijaram.Longamente...Em meio a festa...E muitas pessoas olhavam com inveja ou reprovação.Eles se beijavam como se o mundo houvesse parado de existir e só existissem eles dois...ali....se beijando.
Nunca souberam que tipo de gestos fizeram ali onde todos assistiam.Se beijavam e as mãos eram livres e independentes passeavam por não se sabe onde...
Passeavam livremente por ambos os corpos todas as mãos disponíveis...Mas eles não perceberam e continuaram se tocando em meio a festa.
Acabou...e foram embora.Mas continuaram a se beijar por toda a longa rua.
Se beijavam e se lambiam , encostados em qualquer muro.Continuavam a caminhar ...e depois paravam de novo e se impressavam e um outro novo muro.Se lambiam de novo...se enroscavam...E todos os taxis passavam buzinando alto...e eles ?Não ligavam...estavam a amar , a beijar ...a lamber.Estavam felizes ...e bêbados.Ana chegou em casa com as costas pintadas do musgo dos muros.Feliz.Estava feliz como há muito tempo não ficava.
No dia seguinte Ana sentiu algo já conhecido por ela muitas vezes...a vontade de tê-lo de novo, de ver e sentir novamente: Estava apaixonada...Mas ele não.
Voltaram a se ver.Namoraram.Foram felizes.Mas não durou...terminaram e ela ficou inconsolável.Fez de tudo para que voltasse.Se humilhou.E ele ?Se fez de ouvidos moucos.Nenhum grito dela chegava até ele.Permanecia impassível , indiferente ao sofrimento daquela que tanto o amou, que tanto se doou pra ele.Ela adoeceu , não durimai mais , não comia mais...nada tinha sentido.Ele vivia ... cada vez mais vivia enquanto que ela morria ao poucos.
Nada mais sábio do que o velho conselho de que "Tudo passa"...
Hoje ela esta mais viva que nunca e se embriaga em novos amores (certos ou não)...Se recorda ainda daquele que mais a fez feliz e que mais lhe fez sofrer, mas hoje...hoje isso tudo passou.Não há mais lugar pra lágrimas.Aprendeu com a dor que ele não era para ela, pois não a amou com coragem, apenas passou , encenou alguns gemidos e foi embora.
Que bom que nunca portou armas , pois hoje estaria morta por um tiro dada por si mesma.Ela sofreu e mais que todo mundo pensava ela.O mundo inteiro havia acabado, ninguem mais existia, somente ela e seu sofrimento agudo e sangrento.Coitada...emagreceu perdeu o brilho.
Mas enfim ressucitou...Colocou o salto 15 metafisico (pois nao sabia andar de salto real), pintou as unhas de escarlate, secou todas as lagrimas que nao paravam de correr há meses...e subiu de volta ao seu proprio patamar...Agora ela é muito mais do que fora.Não mais se encontra reduzida.Esta forte e gigantesca...aguardando e procurando em distrações sexuais sua companhia quase perfeita...
Acordou...Era 02 de agosto.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Lisbon Revisted - Alvaro de Campos

LISBON REVISITED (1923)
Alvaro de Campos

Não: não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafisica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) ­
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja de companhia!

Ó céu azul ­ o mesmo da minha infância ­,
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflecte!

Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!

domingo, 1 de agosto de 2010

Luíza roe as unhas... (de Starla Pisces)

Luísa com as unhas roídas
Até o sabugo
Pergunto o que lhe aflige
Ela diz que o seu sorriso de ontem agora passeia em boca alheia
Luísa que gosta de sentir fome para ter ausência
E frio pra ter arrepio que não derive de paixões
Estar eriçada pra ela é sinônimo de estar viva no sentido punitivo da existência
Porque acha seus dias plúmbeos atarracados austeros
Como o nó da gravata que persegue os executivos
Enforcamento prévio de futuras possíveis sujeiras
Luísa que lava as mãos e roça o par de tênis no chão para livrá-los das impurezas
Ódio que tem da poeira do desacerto da ruga
Ódio que tem de si mesma por prever o tempo ruim e não se prevenir dele

Eu sabia, eu te disse , tudo andando certo demais...aquela sensação de bucolismo nas entranhas, presságio de hérnia
Presságio de furacão, navio tragado pelas ondas
Netuno já gargalhando de tudo
E eu alheia, meu sorriso agora alheio de mim
Particípio meu humor subjuntivo

(Pobre Luísa)
Querida não pode ser tão ruim assim...
Ela me diz sintética que posar de conformada contemplativa é minha cara.
Me calo
Ela encosta a cabeça no meu ombro e ficamos olhando as luzes que iluminam as ruas e delineiam as trevas, confirmando a oposição que há em tudo
O fado de nós mesmas pra sempre incerto
Concreto e perturbador
E a insanidade de pensar nela indo sem que eu diga tudo o que vale ...ou tudo o que sinto...

Tranco-me
Concentro-me nela ofegante, respiro junto
Estamos juntas por hora, sinta-me aqui, tudo mais não interessa.
Nossa redoma de vidro e o beco...
Pela frente o beco e ao nosso redor só flores do mal?