sábado, 8 de dezembro de 2012

Macaé - Clarice Falcão

Ei, vai pegar mal se eu contar que eu imprimi todo o seu mapa astral? Você foge assim que der, quando souber? E se eu falar que eu decorei seu RG só pra se precisar Você vai pra um chalé em Macaé? Eu queria tanto que você não fugisse de mim Mas se fosse eu, eu fugia. Ei, se eu falar foi por amor que eu invadi o seu computador Você pega um avião? E se eu falar de uma só vez como eu achei sua senha do cartão Você foge pro Japão, esse verão? Eu queria tanto que você não fugisse de mim Mas se fosse eu, eu fugia. Ei, se eu contar como é que eu me senti ao grampear seu celular Você vai numa DP? E se eu mostrar o cianureto que eu comprei pra gente se matar Você manda me prender no amanhecer? Eu queria tanto que você não fugisse de mim Mas se fosse eu, eu fugia.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Reverberações do amor que se foi, mas ainda está aqui.

Ele se separou de mim. Mas eu não separei dele. O desagradável (ou agradável, já não sei mais distinguir) é que nunca estivemos separados...sempre esteve dentro de mim, sempre viveu dentro de mim...Posso falar de mim não dele...Não sei dele...Não sei o que o coração dele agora fala de verdade...Não sei se está sendo apenas gentil com as palavras de calmaria :" - A gente vai se amar pra sempre, mas não posso ser um namorado agora. Espero que se cuide e não suma."...Ele estava lá em todos os momentos que achava não estar. Estava nas minhas múltiplas peregrinações de amor vívido.Estava em todos os beijos que ensaiei nas mais diversas bocas , em todos os sexos que tentei gostar...Em todos os pensamentos que admiti erroneamente estar tomados por outra qualquer pessoa...Ele estava lá sem que eu me desse conta...estava em toda pele lustrosa de desejo que em algum momento invadiu a minha. Construí minha morada naquele corpo moreno e transpirante com cheiro de macho dominante, e agora estou sem teto.Sem chão.Sem corpo vivo que não tem vida suficiente para sorrir. Os dias iluminados de sol ou apenas de amor já se foram. Sim ele ainda estará perto, mas não tão perto como dentro de mim nas manhãs de sono pesado. Não tão perto que seus braços possam me envolver e me acariciar enquanto vemos um filme indigesto. Não tão perto que não possa sarrar-se em mim enquanto estou tentando ser uma boa cozinheira e note com humor meu desastre culinário. Não tão perto que possa me roubar um cigarro...não tão perto que eu possa roubar um cigarro...Não tão perto que possa brincar de pique esconde com sua filha de 6 anos e com a criança maior de todas que sou eu.Não tão perto que possa emprestar sua toalha , e ao secar-me com ela percebo que tem seus cachos por todo meu corpo. Ele não deitará com todo o peso de seu corpo em cima de mim... Não me tocará o seio enquanto dorme, e eu não dormirei mais em sua boca. Não fará mais meu café, não me pedirá para comprar o pão. Identifico sua falta a todo o instante. O corpo não tem mais o mesmo cheiro. É uma pena. Não dá pra fugir e mudar de assunto, e mesmo quando consigo ele tá lá na cena do filme que construo em minha cabeça como um personagem que passa no fundo da tela. Meu coração é ainda um cativeiro. Tenho toda a liberdade do mundo para sair, mas me sinto presa. E mesmo ausentes os porta-retratos com nossas fotos pela casa, a foto talhada no coração é cruel e faz lembrar a todo tempo. Queria era ficar perto daquelas fraquezas e defeitos , do cheiro do seu corpo depois do coito, da fumaça do seu cigarro, da história que conta no seu beijo. A escolha foi dele. Não sei nem mais se minhas palavras o afetam em alguma instância, então poupo meus esforços... Por fim só digo que a sexta feira era bem mais feliz quando era a véspera do dia de vê-lo e o domingo mais triste quando eu ia embora.

Lugar de Ser- Carpinejar

Estou solteiro de novo. Ela se separou de mim. Mas eu não me separei dela. O desagradável é que sou escritor, eu trabalho em casa. Não conto com um escritório para fugir e mudar de assunto. Identifico sua falta a todo instante. Venho buscando mudar de hábitos, mas não está surtindo efeito. Passei a espiar classificados. Localizo alguém vendendo uma telepizza. Em vez de pensar: - Como assim telepizza? Que absurdo, o que o cara está vendendo é apenas uma linha telefônica. Eu penso: - Coitado, ele está vendendo uma telepizza. Quase compro por compaixão. Eu não me divirto com aquilo que eu achava engraçado, eu me comovo. Continuo descendo para levar a Cora a fazer xixi três vezes ao dia, mas sem a Cora, nosso cachorrinho foi junto. Meu coração é um cativeiro. Tenho o controle remoto da tevê, mas me enxergo sem opção. Tenho a liberdade do mundo para sair, e me sinto preso. Tenho tempo de sobra, e me vejo sempre atrasado. Tenho espaço nas prateleiras e nas estantes, mas nunca encontro o que quero. Tenho a cama inteira à disposição, mas permaneço dormindo no cantinho. Ninguém rouba mais minhas cobertas, mas sinto frio. Retirei os porta-retratos da residência. Mas olhar dentro da geladeira é também um porta-retrato dela. Olhar a geladeira é descobri-la: seus morangos, sua mostarda forte, seu pãozinho integral, sua cerveja. Como diz Karl Marx, que entendia tudo de divórcio: "Separados do mundo, uni-vos"