sexta-feira, 28 de maio de 2010

Vá embora!



*Arte de René François Magritte*


Não querido
Não venha me dizer que estou gorda, que engordei, ou que já fui mais magra...Não, de maneira nenhuma sei comer alface no almoço...eu como porcos, dos mais imundos!!
Não querido não venha me reclamar sobre o possivel esticamento da minha pele...das linhas, ou rugas, ou buracos...
O que importa?
Minha pele sensível a qualquer toque ou porrada grita agora impropérios e sangramentos.
Não querido, não me diga que sou tua.
Não nasci de casca, nasci de fenda...a mesma fenda que insiste em enterrar teu simbolo viril e soltar um gritinho sem jeito depois que tudo acabar...
Não penses que sou a esposa perfeita, dessas fiéis e traídas (ao mesmo tempo) que espera calada a tua volta envolta numa névoa de lençois finos, vestida na cor que você gosta.
Não querido , não me venha colocar leite nos peitos, e gente no ventre.
Não sou dessas que embala bebês nos braços, enquanto você se diz homem de encantos.
Não querido , não me venha dizer que devo mostrar as pernas , o cólo, ou qualquer coisa indecifrável do corpo.Não me venha dizer que meu prazer de ser é ser de alguem.Que nao vivo feliz sem a tua companhia, que sofreria sem a tua metafisica.Não me venha dizer que vou ficar pra titia,ou pra vovó ou pra mamãe ou pra qualquer parente desimportante por que nao sei ser propriedade de homem.Nao me venha dizer que devo ser linda o tempo todo, fragrante o tempo todo, educada o tempo todo e que devo sofrer em cima de um salto alto altissimo. Que devo saber cozinhar mais que um ovo, que devo saber me portar na mesa e na cama (ponderada o tempo todo).Nao me diga Te amo nunca.Sei bem que teu amor nao vem de lugar diferente que de tuas coxas machistas, e que escorre rapidinho.
Não querido!!!Não querido!!!Não querido!!!!
Não me chame de vadia só por que meu coração está em pulos sórdidos por outro alguém que nem sei quem...Você faz pior!!!Eu amo de verdade , você mente, devora, goza...e depois fecha o zíper.
Não venha me dizer que devo te esperar no cais de uma amor terrorista...vai embora querido...vá, e leve tuas cuecas samba-canções e discos de samba.

A garrafa de vinho e a moça de unhas vermelhas


Quando passou apenas com uma garrafa de vinho e as moedas contadas , sentiu um olhar de soslaio e desdem da mocinha do caixa do supermecado.
-O que foi?- pensou ela em direção a moça do caixa - nunca se sentiu terrivelmente só a ponto de querer embriagar-se uma tarde inteira?
Sentiu que a mocinha escutou seu pensamento vociferante e baixou os olhos em contrição.Sentiu-se orgulhosa.Afinal nunca conseguiria dizer isto de verdade a um estranho.
Seguiu a estrada de mãos dadas com a garrafa de vinho...como um casal apaixonado.Ela apaixonada pelos momentos parcos de alegria.O vinho apaixonado pela solidão da moça que ele devoraria pra si por pouco tempo.
A moça não queria mais esperanças...
Já esperava sempre pelo pior , quando saía de casa com as unhas pintadas de vermelho(o mesmo vermelho que jorrava do seu coração inquietante, passional, indecifrável), e o corpo cheirando a jasmin...querendo ter algo que lhe fizesse acreditar que tudo daria certo (desta vez ).
Mas nunca acreditou.
Aprendeu a fazer contagens regressivas de seus amores malogrados...
-Não dou mais que duas semanas pra que isso tudo acabe da maneira mais sangrenta possivel.-falava pra si mesma quando estava em companhia de qualquer rapaz (de bem ou não) , que lhe cruzava o caminho com flores e palavras doces.
Sempre acertava.
9,8,7,6,5 dias...assim contava...e quanto mais proximo chegava o dia do fim fatidico, mais indiferente ficava.
-Vai acabar...- sempre pensava ela...
E assim o era.
Aprendeu a não mais chorar.
Já havia chorado muito é verdade, mas sua idade de agora (já não era a mesma adolescente tola de antes que sofria com a esperança parca de que alguem voltaria com a mesma flor na mão), não lhe permitia mais lagrimas desnecessarias.
Curava sempre um amor com outro, uma ferida com outra, um beijo com outro.
E assim vivia sempre só...a espera de um amor que acabaria sempre logo.
E naquela tarde que saiu do supermercado de mãos dadas com a garrafa de vinho, percebeu que seria sempe assim.Já sabia demais da vida.E isso não é próprio das pessoas felizes.Pessoas felizes geralmente não sabem de nada.E por isso , de fato , são felizes.
Ficou indecisa!Entre saber um tanto da vida e estar pronta pra encarar armadilhas, e nao saber nada , sempre tola , feliz com qualquer agrado.
Fez amor com a garrafa de vinho.
Esperou a noite acabar.
Perfumou-se.
Deixou sangrar os sentimentos (pelas pernas).
Retocou as unhas (de vermelho).
Deitou-se na cama .(sozinha novamente, envolta em lençois encardidos)
Concluiu:
O melhor a se fazer era comprar outra garrafa de vinho ( a mais miserável) , encarar o olhar de desdém da moça do supermercado,(o mais humilhante) voltar pra casa sozinha, com seus pensamentos atormentados, esperando outro amor fugidio passar.(outro amor fugidio passar).
E nada mais havia de se querer....

Um domingo sem flores


Durante uma viajem barulhenta
para um casulo de artes paranoicas,
a moça triste derramou lagrimas escutando Piaf.
Chegou cedo a um bar de alegrias e pensou no dia de ontem...
Quando um moço feliz de nariz vermelho e largas botas
lhe ofereceu um sorriso de alcatrão.
Ela riu sobriamente e abraçou o moço luminoso com cheiro de jasmin.
O moço de nariz vermelho, largas botas e sorriso de alcatrão,
amenizou o dia da moça triste com coreografias circenses suaves e palavras cotidianas.
Lhe ofereceu um cigarro...
Foi embora...
Deixou que a moça pensasse em sobretudos.
A moça encontrou quem deveria...
Chorou com textos sobrios...
Bebeu tiúba...
Caminhou..
Encontrou quem nao deveria...
Chorou pela terceira vez...
Deu adeus...
Atravessou a ruas...
Fumou oito cigarros...
Cochilou.
Acordou de repente.
Voltou para o lar...

Ao chegar encontrou o moço luminoso
de nariz vermelho,
largas botas,
cheiro de jasmin,
e sorriso de alcatrão
estirado no seu leito de ausência...

Ao analista mais desejado

Droga, você me cativou...
e o pior de tudo,
Deu as costas pras minhas desditas.
Me deixou com inumeras vontades indecifraveis
E agora se alia às concubinas estrangeiras.

Então tá querido
O que pensa que irei fazer?
Não foi você quem me disse que eu não vivia as coisas da pele
Talvez eu precise mesmo...
talvez não.
Agora eu só quero que o dia me dê bom dia!
Tomo um gole de vinho
(ou uma garrafa)
e esqueço tuas feições perfeitas
e teus olhos de azeviche...
E teu dedo médio aliançado.

Ah vai...que falta me farias?
Já aprendi, a vida é assim.
A solidão anda por perto à espreita sempre que existe qualquer parca chance.
E agora novamente ela retornou com ares de imponência e glamour dizendo: - Eu sabia!
Que importa?
Vai me dizer que a culpa é minha?
QUe não sei viver como deveria?
Que fantasio tudo?
Ah meu analista desejado...
Vá embora então e guarde este poema no bolso mais rasgado.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

"Não me digas nada, vejo que me entendes,
mas tenho receio dessa compreensão.
Tenho medo de encontrar alguém semelhante a mim
e ao mesmo tempo desejo-o.
Sinto-me tão definitivamente só, mas tenho tanto medo
que o isolamento seja violado e eu não seja mais
o cérebro e a lei do meu universo.
Sinto-me no grande terror do meu entendimento,
meio por que penetras no meu mundo;
e que, sem véus,
tenha então que partilhar o meu reino"

Anais Nin

Pretenso Condimento

A lista dessa receita extrapola dissabores
e é arrematada por um vinho de quinta
e é sexta

Tudo bem
Nunca ninguém me enganou
nem leu contos de fadas
numa tentativa cruel de iludir

Estive por aí crendo descrendo
chorando lendo rido bebido
fornicado etereamente
eternamente que sou apaixonada

Um amigo diz que nunca amei
meu conceito é vadio
e sou volátil
não tenho preferências fixas
sou pouco confiável
e a receita solou antes mesmo do esquentar no forno crepitante
meus pensamentos

Coloque menos sal
aprenda a gostar do açúcar
Não beba enquanto come
Pimenta demais faz mal

Uma mulher que não saiba cozinhar tem chance de ser promissora quando rima?


Starla
Agora posso entender...
mas é tarde.
Eu estou aqui e você não sei onde.Isso já não mais me entristece, mas ainda queria que a ordem fosse outra.
Talvez não mais tenha (tanta) saudade.Talvez não mais ainda sinta(tanta) saudade.Talvez agora meu desejo tenha outro nome (outros nomes).Talvez agora , eu mesma, tenha outro nome.Talvez agora , você também, não atenda mais pelo mesmo nome.
...
Você saiu cedo , eu diria.Não deixou que eu terminasse a cena fatídica da minha vida tão romancesca.Foi embora antes da tragédia maior de todas para começar outra trgédia.Para começar a minha tragédia.E se foi...foi assim.
Mas que bom que foi embora...pois pude perceber assim coisas tão antes ininteligíveis.
Você foi outro chegou.Me fez feliz.Me amedrontou.Me irritou...e se foi também.
Mas agora a ordem é outra.
Quem bom mesmo estar agora em paz (sem deus).