sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Trechos de "O Germinal" de Émile Zóla



"Foi por essa época que Etienne começou a compreender as ideias que lhe fervilhavam na cabeça.Até então não passara de um revoltado instintivo absorvendo a surda fermentação dos companheiros.Uma gama variada de perguntas confusas não o deixava em paz:por que havia tanta miséria de um lado e tanta riqueza de outro?Por que estes tinham de viver escravizados àqueles sem a menor esperança de um dia mudarem de posição?A primeira etapa vencida foi a da compreensão de sua ignorancia.Uma vergonha secreta , um desgosto oculto começaram a atormentá-lo: nada sabia, não ousava falar sobre essas coisas que eram a sua paixão, a igualdade entre os homens , a justiçã que exigia que os bens da terra fossem repartidos entre todos.Por isso começou a estudar , sem métodos, como fazem aqueles que são ignorantes mas têm sede de saber."

"Desde que começara a instruir-se , a promiscuidade da aldeia mineira chocava-o.Então eram animais para viverem assim, amontoados, uns por cima dos outros, com tanto campo em volta, a ponto de não se poder trocar a camisa sem ter que mostrar o traseiro ao vizinho?E que bem fazia para a saude essa promiscuidade , com moças e rapazes apodrecendo juntos!
-Ora! - respondeu Maheu. - Se houvesse mais dinheiro viveriamos melhor...Mas de fato , só pode fazer mal viver amontoado desse jeito.Sempre termina com homens bebados e mulheres grávidas.


"Trabalhavam como bestas numa coisa que antes dó era feita pelos condenados às guilhotinas, morriam ali, muito antes de ter chegado a sua hora , e tudo isso para nem sequer terem carne no jantar.Ainda comiam, claro , mas tão pouco, apenas o suficiente para seguirem sofrendo , cheios de dívidas, perseguidos como se tivessem roubando o pão que não os deixava morrer de fome.Aos domingos sucubiam exaustos .Os unicos prazeres eram embriagar-se e fazer filhos na mulher.E ainda por cima a cerveja fazia crescer a barriga, e os filhos, mais tarde, renegavam os pais.Não , não , a vida não tinha graça alguma."

Pags 172,173,174

Uma aclamação rolou até ele , vindo dos confins da floresta .A lua agora, iluminava toda a clareira, recortava com arestas brilhantes o mar de cabeças por toda a confusa lonjura da marta de corte e por entre os enormes troncos cinzentos.E naquele ar glacial havia um ricto feroz nos rostos , olhos faiscantes , bocas abertas...Era todo um povo em delirio de possessão , homens mulheres e crianças famélicos, pronto para o assalto justo aos antigos bens de que estavam sendo esbulhados .Já nem sentiam mais frio , aquelas palavras religiosas , faziam -os pairas sobre a terra , era a febre da esperanças dos primeiros cristãos da Igreja esperando o reino proximo da justiça.

pag 291

A turba tinha visto Maigrat esgueirando-se pelo teto do galpão .Na sua ânsia , apesar do seu peso , ele subira agilmente pela latada, sem se preocupar com as ripas que quebravam; e agora espichavamse ao longo das telhas , esforçando-se para atingir a janela .MAs a inclinação era muito forte , sua barriga os estorvava , suas unhas estavam sendo arrancadas .Assim mesmo teriam se arrastado até a cumeeira, se não tivesse começado a tremer de medo de receber alguma pedrada, já que a multidão , que ele não conseguia ver , continuava a gritar lá embaixo:

- Pega o gato, pega o gato!Vamos fazê-lo em pedaços!
E bruscamente suas duas mãos se soltaram , ele rolou como uma bola , bateu na biqueira e caiu atravessado na parede-meia , tão desastradamente que foi espatifar-se na rua , onde abriu o crânio no ângulo de um marco.O cérebro esguchou.Estava morto. Sua mulher no alto, pálida e assustada por trás dos vidros continuava olhando.
Houve um momento de estupor .Etienne tinha parado e o machado escorregara de suas mãos .Maheu , Levaque , os outros todos esqueceram o armazém , os olhos voltados para a parede , de onde escorria lentamente um filete vermelho .Os gritos tinham cessado , abateu-se um silêncio pesado , na escuridão que aumentava.
Em seguida recomeçara os gritos .Eram as mulheres que se precipitavam , presas da embriaguez do sangue.
- A justiça tarda mais não falha ! Ah porco , morreste, enfim!
Rodearam o cadáver ainda quente e começaram a insultá-lo com gargalhadas de coisa imunda sua cabeça despedaçada , berrando na cara da morte o longo rancor de suas vidas sem pão.
- EU te devia sessenta francos , já está pago , ladrão!- gritou a mulher de Maheu , tão enfurecida quanto as outras .
- Nunca mais vais negar-te a me vender fiado...Espera!Espera!Vou engordar-te mais ainda...
Começou a cavar a terra com as duas mãos , tomou os dois punhados e os enfiou violentamente na boca do cadáver.
- Vai come ! Vamos come, come , tu , que nos comias!
As injúrias eram cada vez mais violentas , enquanto o morto , estendido de costas , olhava com seus grandes olhos vidrados o céu imenso de onde descia a noite .Aquela terra enfiada na sua boca , era o pão que ele tinha recusado.E de agora em diante , só comeria deste pão.Esfomear os pobres não lhe trouxe felicidade.
Mas as mulheres ainda queriam vingar-se.Rodeavam-no, farejando como lobas.Todas arquitetavam um ultraje que as desafogasse.
Ouviu-se a voz áspera da Queimada:
-Vamos castrá-lo como a um gato!
-Vamos!Ao gato ! Mãos a obra !Esse asqueroso já fez demais o que não devia!
Imediatamente a filha de Mouque começou a abrir-lhe a braguilha e a puxar-lhe as calças, enquanto a mulher de Levaque , levantava as pernas do morto .E a Queimada , com suas mãos secas de velha , abriu-lhe as coxas nuas e empunhou a virilidade morta.Segurou tudo e fez tal esforço para extirpar o membro que suas costas magras se distenderam e seus bra~ços enormes estalaram .Mas a pele mole resistia , ela teve de atracar-se novamente e acabou arrancando o despojo , um pedaço de carne cabeluda e sangrenta que agitou no ar com uma gargalhada de triunfo:
- Pronto , aqui está!
Vozes esganiçadas saudaram com imprecações o horrível troféu.
- Ah desgraçado! Não engravidarás mais as nossas filhas!
- Chega ! Não te pagaremos mais com a nossa carne! Nunca mais teremos de abrir as pernas para conseguir um pão !
- Olha eu te devo seis francos...Queres fazer uma brincadeira por conta? Eu estou pronta , se tu ainda podes!
Este gracejo sacudiu-as com uma gargalhada feroz.Passavam umas ás outras a carne pingando sangue, como a um animal tinhoso que cada uma tivera de suportar e que acabavam de esmagar , que agora tinham ali , inerte , á sua mercê.Cuspiam em cima , arreganhavam os dentes repetindo , numa furiosa explosão de desprezo:
- Ele não pode mais ! Ele não pode mais ! Já não é mais um homen que vai para a cova !Começa logo a apodrecer inútil.
A Queimada , então , espetou o naco de carne na ponta da sua vara e , levantando-o bem ao alto, como um estandarte , empreendeu a marcha, seguida pela debandada ululante das mulheres .O sangue gotejava sobre elas , o despojo horripilante pendia como um pedaço de carne no gancho de um açougue.E a chusma de mulheres saiu estrada afora com o animal tinhosos, o animal decepado na ponta da vara.

***************

"Um homen pode ser valente , uma multidão que morre de fome não tem força pra nada."

********************

(...)
Mas ele ficou onde estava e tomou-a pela cintura , numa carícia de tristeza e pena.Em camisola, apertados um ao outro, sentiram o calor de sua pele nua , á beira daquela cama tépida do sono da noite.O primeiro movimento dela fora afastar-se , depois pôs -se a chorar baixinho , agarrando-o pelo pescoço para mantê-lo contra si, num abraço desesperado.E ficaram assim , sem outro desejo , com o passado dos seus amores infelizes, que não tinham podido satisfazer .Estava então tudo acabado, não ousariam amar-se um dia , agora que eram livres?Um pouquinho de felicidade seria o bastante para dissipar sua vergonha , esse mal estar que os impedia de seguirem juntos , devido a uma infinidade de ideias , que nem eles mesmos sabiam o que era.
-Vai deitar-te - murmurou ela- Não quero acender a a luz para não acordar mamãe...Já está na hora, vai...
Mas ele não escutava, abraçava-a desesperadamente , o coração imerso em profunda tristeza .Uma necessidade de paz, um invencível desejo de ser feliz invadia-o.E via-se casado, numa casinha limpa , sem outra ambição do que a deviverem e morrerem asim , juntos.Só pão lhe bastaria; e mesmo que houvesse apenas para um, esse pedaço seria para ela .Para que mais? A vida valeria mais que isso ?

p.470

**********************

Depois confessou, voltava pra mina.Sim , tinha jurado, mas nao era vida esperar de braços cruzados que as coisas , talvez dentro de cem anos , acontecessem ; além disso , razões suas tinham feito com que decidisse.
Suvarin escutara-o arrepiado.Agarrando-o por um braço, empurrou-o de volta `a aldeia.
-Volta já pra casa!
Catherine se aproximou , ele reconheceu-a também.Etienne protestou , declarou que ninguem tinha o direito de julgar seus atos.E os olhos do mecanico foram da moça ao companheiro , enquanto recuava um passo , com um gesto brusco de desistencia .Quando um homen tinha uma mulher no coração, estava liquidado , podia morrer.Talvez tenha visto , numa rápida visão , lá em Moscou , sua amante enforcada, o último laço carnal que cortara, que o tornara livre da vida dos outros e da sua .Disse simplesmente:
-Vai
p. 472
**************************

2 comentários:

Maryllu disse...

Legal o trecho do Zola! A parte do pênis amputado e as mulheres gargalhando é medonha!

Ninfeia G disse...

O Germinal é uma leitura que choca justamente porque nos faz ver que essa realidade que ele mostra perdura, persiste, existe, está aí em mpleno sseculo xxi.Se não são as mkinas, mas é o campo, por exemplo.
Zola é admirável!